sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

SILÊNCIOS

© Caio Martins

Para Jeanne




(Img: Márcia Sanchez Luz)


Te amo...

A memória, faca
laica
- insaciável, transitória -
quebra seus pertences
sem contar com glórias.

Fecha seus claustros
- insondáveis pergaminhos -
e cala
a trajetória tensa do sentir
árdua, impenetrável bala.

Contemplo teu olhar
- inquietante arquitetura -
e me diluo aos segundos
de cada século
em que perduras...

A memória insiste
- indecifrável sintonia -
e cala.
Não há tempo, lugar,
nem sinfonias...

Nas luzes de prenúncios
- inda que desande o caos -
te calas...
Sabes que te amarei
ao som de teus silêncios...



(Poema publicado com a autorização do autor)

domingo, 4 de dezembro de 2011

FILHOS NOSSOS

Cicero Melo



(img: Wassily Kandinsky)


Os filhos amadurecem os pais.
Amadurecem,
amadurecem,
até que os apodrecem.

(Publicado com a autorização do autor)

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Saciedade dos Poetas Vivos 13


PREFÁCIO


O Volume é o nº 13, o lançamento é no "Dia das Bruxas" e o exorcismo é a poesia — nada melhor do que a ação da alquimia poética para transmutar nefastas vibrações e benzer o mundo. Afinal, além dos poetas não viverem hoje nas nuvens (será que viveram algum dia?) também não sobrevoam o mundo montados em vassouras voadoras: têm a consciência de pés fincados na terra e sabem-se seres mágicos sim, mas com a magia que existe inerente a toda a criação. Por isto, nesta edição, escolhemos um tema telúrico: Terra, Homem e Animais — temática que à primeira vista pode parecer por demais ampla, mas que contém uma ligação sutil entre os elementos deste trinômio, mesmo que eles pareçam independentes e autônomos: como falar em Terra sem interligá-la ao humano, que, mesmo sendo racional, é uma raça de animais? Um engloba o outro, a exemplo das Matrioshkas, bonecas russas que, à perfeição, encaixam-se umas dentro das outras, a maior contendo todas as demais.

Terra, Homem e Animais comemoram cinco anos de projeto e estamos alegres com estas nossas Bodas de Madeira — somos madeira de lei, própria para construções: forte e resistente às intempéries. Não conhecemos na Internet qualquer outro projeto semelhante, reunindo em um único selo e durante tão longo período, tantos nomes expressivos e de prestígio de nossa cultura. Neste volume, reverenciamos Manuel de Barros e Pedro Lyra, dois poetas consagrados internacionalmente — aliás, pela primeira vez, o processo foi inverso: primeiro cogitamos os nomes dos homenageados, depois da temática que ambos têm em comum. A cada edição, ficamos mais sensibilizados pela acolhida e pelo respeito que o nome de Blocos Online inspira nos meios literários. É uma sensação maravilhosa para nós editores e esperamos que também o seja para nossos autores e leitores.

No presente volume, selecionamos mais quinze poetas que se dedicaram a aprofundar o tema proposto, tendo cada qual privilegiado um aspecto, uma dimensão preponderante: Ana as florações e estações; Cícero, as faces míticas da terra enquanto matéria-prima; Clevane, uma terra serena e em paz; Esther, a terra rica de metáforas; Fernando, a contemplação da natureza; Flavio Gimenez, a terra internalizada; Flávio Mota, a crítica à matança e a antolhos; Gerson, a ação humana tantas vezes destrutiva e violenta; Jayme, a terra-memória individual; Maria Helena, a abundância da vida; Paola, as colheitas humanas; Rogel, as paisagens afetivas; Sandra, a terra enquanto resistência e renovação; Sidnei, a ação depredadora e predatória contra a natureza viva; Xenia, a procura da verdade e do equilíbrio interior. Eis a Terra entrelaçando tudo no todo, poeticamente.

Através da Saciedade dos Poetas Vivos Digital comemoramos nossa ininterrupta busca poética até à saciedade; assim sendo, é hora de erguermos um brinde a todos os que fazem parte deste projeto, e também a todos os que, mesmo em off, nos incentivaram a prosseguir e a contornar as pedras no meio do caminho — qualquer semelhança com o célebre poema de Drummond, que hoje inclusive faria 99 anos de idade, não é mera coincidência. Somos mais de 150 poetas vivos reunidos. Infelizmente Wilson Bueno não está mais fisicamente entre nós (vítima que foi de um assalto em 31/10/2009, praticamente um ano após ter participado de nossa antologia com seus belíssimos rengas sobre as "Quatro Estações"). No entanto, enquanto ele estiver presente em nossa memória e em nossa afeição, viverá — "Saudades nunca não passam", como ele próprio escreveu.

É festa em nossos corações. Por tudo que vivenciamos intensamente neste espaço e neste quinquênio, e por mais um ano de congraçamento poético, nos sentimos vitoriosos, felizes e plenamente realizados.
Celebremos!


Leila Míccolis


Lançamento oficial: 31 de outubro de 2011
________________________________________
Créditos:

Editores: Urhacy Faustino e Leila Míccolis
Capa: Vande Rotta Gomide
Título: Eduardo Feijó Netto Machado
Seleção de textos: Leila Míccolis
Revisão: dos autores
Webmaster: Urhacy Faustino

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

31 de outubro: Dia D Drummond



Em 31 de outubro de 1902 nascia, em Itabira do Mato Dentro - MG, Carlos Drummond de Andrade, que ganha um "Dia D" em sua homenagem na próxima segunda-feira.

Vamos nos juntar a esta homenagem e ler alguns de seus poemas. No final, um vídeo de "Poema de sete faces" na voz de Paulo Autran.


A falta que ama
Carlos Drummond de Andrade


Entre areia, sol e grama
o que se esquiva se dá,
enquanto a falta que ama
procura alguém que não há.

Está coberto de terra,
forrado de esquecimento.
Onde a vista mais se aferra,
a dália é toda cimento.

A transparência da hora
corrói ângulos obscuros:
cantiga que não implora
nem ri, patinando muros.

Já nem se escuta a poeira
que o gesto espalha no chão.
A vida conta-se inteira,
em letras de conclusão.

Por que é que revoa à toa
o pensamento, na luz?
E por que nunca se escoa
o tempo, chaga sem pus?

O inseto petrificado
na concha ardente do dia
une o tédio do passado
a uma futura energia.

No solo vira semente?
Vai tudo recomeçar?
É falta ou ele que sente
o sonho do verbo amar?


Para Sempre
Carlos Drummond de Andrade


Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.

Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
- mistério profundo -
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.


terça-feira, 11 de outubro de 2011

Cantiga de muito longe para Caio Martins

© Luiz de Miranda



(Img: Mare Serenitatis, Inga Nielsen)


Queria te falar do amanhecer
nestes fundos anos de silêncio
onde haveria a poesia
a órbita astral de teus olhos
de luminosa tristeza
a palidez aquosa
dos teus olhos feitos de estrada

Onde andará a sombra
da tua ternura
para me encontrar na vida
ávida
e te apertar em vinho
num brinde ao amanhecer
e renascer na solidão
que a distância
escreve na luz.

Queria te falar do amanhecer
nestes fundos anos de silêncio
mas onde andará tua mão
de amigo e poema
a revelar noutro caminho
o mágico estalar das palavras.

sábado, 1 de outubro de 2011

Ruth Escobar, por Isabel Vasconcellos















A lembrança mais marcante que tenho de Ruth Escobar – respeitada, é claro, toda a inestimável contribuição que ela tem dado à cultura brasileira, ao teatro e à luta política das mulheres – é a de uma reunião num partido político, há muitos anos atrás, onde ela disse que as mulheres se negavam a ir à política porque consideravam-na “suja” demais. No entanto – dizia ela – é preciso que as mulheres tomem coragem e metam a mão na merda.

Ruth era conhecida, no tempo da Ditadura, pelos censores, como “a portuguesa louca”. Ela tinha um burro, que ficava em seu teatro, a quem chamou de “Ernesto” , o mesmo nome do General Geisel, que ocupava a presidência do país por eleição indireta e fazia as vezes de ditador. Juca Chaves também ironizava Geisel, de origem germânica, dizendo que o Brasil era governado por um pastor alemão.

Maria Ruth dos Santos nasceu no Porto, filha de uma costureira e pai desconhecido. Veio para o Brasil aos 18 anos, em 1951. Casou-se com o dramaturgo, Carlos Henrique Escobar e, com ele, foi para a França em 1958,estudar interpretação.

Ao voltar ao Brasil, Ruth montou sua própria companhia teatral e, em 1964, tinha um "teatro" num ônibus e levava as peças ao povo mais pobre da perfireria paulistana. É de 1964 também a fundação do Teatro Ruth Escobar, um marco na história cultural da cidade.

Separou-se de Escobar e se casou com Wladimir Cardoso, um arquiteto que acabou se tornando o seu cenógrafo.
“Cemitério de Automóveis”, em 1968 e “O Balcão” de Jean Genet, são montagens teatrais que elevam o nome de Ruth às alturas no cenário nacional. "O Balcão" levou todos os prêmios daquele ano.

Nos anos 1970 o teatro brasileiro cresceu. Mas com peças vazias, de puro entretenimento e que apostavam sua bilheteria na presença, em cena, de astros da televisão. Mas não foi assim no Ruth Escobar, que continuava a apresentar peças de primeiríssima linha.

Durante toda a Ditadura Militar, Ruth e seu teatro sofreram atentados, ameaças de bombas, até de assassinato. Em vez de se apavorar, Ruth continuava produzindo, discursando na rua e invadindo gabinetes de autoridades para protestar contra o regime militar, isso numa época que ninguém ousava reclamar nem da fila do banco.

Na década de 1980 o teatro ficou em segundo plano na sua vida. Agora, a bola da vez era a política. Ruth foi eleita deputada estadual por duas vezes consecutivas e, em 1985, tornou-se a primeira presidente do recém criado Conselho Nacional dos Direitos da Mulher.

Lançou o livro “Maria Ruth – Uma Autobiografia”, em 1987, reafirmamdo sua postura de vanguarda e mostrando que toda a sua atividade cultural está ligada ao seu pensamento político.

Voltou ao Teatro em 1990, produzindo sucessos internacionais.

Mais tarde, em 1997,vendeu seu teatro à Associação dos Produtores de Espetáculos Teatrais do Estado de São Paulo (apetesp), casou-se com um americano e foi morar nos States.

Quando voltou, comprou uma briga feia para reaver o teatro.

Ruth teve cinco filhos, de três casamentos diferentes.

Em 2000, recebeu o diagnóstico de Alzheimer. Em 2006 foi interditada judicialmente por uma filha, que temia os aproveitadores que poderiam arrancar de uma Ruth já não tão lúcida todos os seus bens.

Hoje seus bens estão indispníveis por ordem judicial e ela, sem recursos, é obrigada a recorrer ao SUS para tratar de sua saúde debilitada. Dizem que a justiça é cega.

Isabel Vasconcellos é escritora, jornalista, produtora e apresentadora de Rádio e TV


quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Parceria: Blocos/Scortecci



Duas editoras que estão já há duas décadas no mercado se unem em grande parceria para tornar possível a realização de seu livro. Agora ficou mais fácil publicar, com preços menores e tiragens maiores, pois apenas dez exemplares não divulgam sua literatura como ela merece.

Conheça nossos preços imbatíveis e as vantagens que proporcionamos: os autores que publicarem por Blocos/Scortecci serão beneficiados inclusive pela somatória de divulgação nos portais das respectivas editoras — Blocos Online, Amigos do Livro, Portal do Escritor — além de blogs, twitters e facebooks, e também contará com um suporte que permitirá que ele participe de Bienais do Livro, no Rio e em São Paulo, e de outros grandes eventos literários nacionais. Não perca oportunidades.

Estamos com vários projetos já: o selo Primeiro Livro, o registro de nossas Antologias Digitais em papel, enfim, produção intensa a partir de agora.

Entrem em contato conosco:


BLOCOS/SCORTECCI:
SERIEDADE E SUCESSO

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Márcia Sanchez Luz no Jornal O Globo

Revista Megazine do Jornal O Globo, de 9 de agosto de 2011, publica soneto "Vida", de Márcia Sanchez Luz




(Exemplar enviado por Berg Nascimento.)

domingo, 14 de agosto de 2011

As mãos de meu pai

Mario Quintana

(Img: arquivo pessoal)






















As tuas mãos tem grossas veias como cordas azuis
sobre um fundo de manchas já cor de terra
— como são belas as tuas mãos —
pelo quanto lidaram, acariciaram ou fremiram
na nobre cólera dos justos...

Porque há nas tuas mãos, meu velho pai,
essa beleza que se chama simplesmente vida.
E, ao entardecer, quando elas repousam
nos braços da tua cadeira predileta,
uma luz parece vir de dentro delas...

Virá dessa chama que pouco a pouco, longamente,
vieste alimentando na terrível solidão do mundo,
como quem junta uns gravetos e tenta acendê-los contra o vento?
Ah, Como os fizeste arder, fulgir,
com o milagre das tuas mãos.

E é, ainda, a vida
que transfigura das tuas mãos nodosas...
essa chama de vida — que transcende a própria vida...
e que os Anjos, um dia, chamarão de alma...

Fonte: AVSPE - homenagens de vários poetas aos Pais

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Samuca Santos
















RECIPHOTO


meus olhos hasselblad
dignificam esta cidade
mais que o surpreendente
cor de telha, nuvens chumbo
entre os dentes da manhã

meus olhos rolleyflex
emprestam romances de bossa nova
sussurradas as vozes ainda
dos camelôs operários e vagabundos
policiais sonolentos
prostitutas arrasadas

meus olhos japoneses, digitais
filtram a miséria
passam pelo photoshop
e agradeço à maré cheia
que esconde a lama
e mostra o mangue

meus olhos polaroid
de instantâneos efêmeros
enquadram barracas de frutas
e nem penso mais
nesta cidade de filhos da puta


Fonte: Interpoética

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Gonçalves Dias

SEUS OLHOS
 












Gonçalves Dias
(10.08.1823 - 3.11.1864)


Seus olhos, tão negros, tão belos, tão puros,
de vivo luzir,
estrelas incertas, que as águas dormentes
do mar vão ferir;

seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
de meiga expressão
mais doce que a brisa, — mais doce que a frauta
quebrando a solidão.

Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
de vivo luzir,
são meigos infantes, gentis, engraçados
brincando a sorrir.

São meigos infantes, brincando, saltando
em jogo infantil,
inquietos, travessos; - causando tormento,
com beijos nos pagam a dor de um momento,
com modo gentil.

Seus olhos são negros, tão belos, tão puros,
assim é que são;
às vezes luzindo, serenos, tranqüilos,
às vezes vulcão!

Às vezes, oh! sim, derramam tão fraco,
tão frouxo brilhar,
que a mim parece que o ar lhes falece
e os olhos tão meigos, que o pranto umedece,
me fazem chorar.

Assim lindo infante, que dorme tranqüilo,
desperta a chorar;
e mudo, sisudo, cismando mil coisas,
não pensa — a pensar.

Nas almas tão puras da virgem, do infante,
às vezes do céu
cai doce harmonia duma harpa celeste,
um vago desejo; e a mente se veste
de pranto co'um véu.

Eu amo seus olhos tão negros, tão puros,
de vivo fulgor;
seus olhos que exprimem tão doce harmonia,
que falam de amores com tanta poesia,
com tanto pudor.

Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
assim é que são;
eu amo esses olhos que falam de amores
com tanta paixão.


Do livro: "Livro do Corpo", LP&M Editores, 1999, RS
Enviado por: Márcia Maia

Fonte: Blocos Online

domingo, 7 de agosto de 2011

A ESFINGE

Cicero Melo


(Img: Google)
   












 









Se não te sinto luz, onde a candura
Das palavras bem ditas, bem formadas?
Nas minhas mãos, por ora, vejo estradas
Em traçados de cega agrimensura,

Se não te vivo em mim, vivo a loucura
Das palavras de amor incendiadas,
As taças da paixão dilaceradas
Na bacanal de sangue e de ternura.

Amor, amado amor, amargo amor,
Como dilacerar os teus mistérios,
Que me transluzem sonhos em torpor?

É muito tarde, meu amor impuro.
O sol já ilumina os cemitérios.
Voltarei amanhã, me crê, eu juro.

sábado, 6 de agosto de 2011

Delasnieve Daspet

Quando os olhos secam...












Quando os olhos secam
É porque já chegamos a um lugar
além das lágrimas.

Um espaço desolado e silencioso
Onde nada cresce
E os sonhos são abatidos
Por falta de sustento.

Sem perceber, alheia ao que me cerca,
cruzei o rio invisível...
E meus olhos e minha boca
Jazem, cheios de pó, no incomensurável.

Perdi as lágrimas, perdi o conforto.
Apenas o vazio
Há séculos recordo e ouço.

(Poema enviado por email pela autora)

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Provocações - Abujamra declama Rubens Jardim




Toda mulher é...

© Rubens Jardim

Toda mulher é uma viagem
ao desconhecido. Igual poesia
avessa ao verso e à trucagem,
mulher é iniciação do dia,

promessa, surpresa, miragem.
De nada adiantam mapas, guias,
cenas ensaiadas ou pilhagens.
Controverso ser, mulher é via

de mão única, abismo, moagem.
É também risco máximo, magia,
caminho íngreme na paisagem.

Simplificando: mulher é linguagem,
palavra nova, imagem que anistia
o ser, o vir-a-ser e outras bobagens

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Elza Fraga

O murmurar do silêncio













 Elza Fraga

...


Sem palavras,
todas fugiram.
Calar é ouvir o silêncio

esse eu recomendo
diariamente
noturnamente.

Então não se espantem comigo
se emudeci o canto,
e abri as comportas do pranto

A alma seca a luz
como se pendurada
em cruz

perdida

num varal
qualquer da vida



(Elza Fraga)

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Nathan de Castro


Soneto de Agosto

 

© Nathan de Castro


Eu tanto amei, e amei, perdidamente,
que me perdi nas lágrimas de agosto
e todo azar do mundo me fez crente
do verso feito às luzes do desgosto.

Eu tanto amei, e amei com todo o gosto!
Bebi do olhar do beijo reluzente,
me deparei com os traços do teu rosto
e me encantei poeta, triste e ausente.

Perdido e usando a máscara do tempo,
vaguei de pedra, ousando outro elemento,
para aprender o inverno da paixão...

Nada aprendi, e agora o passatempo
de rabiscar nas páginas do tempo
é o que ainda pulsa e afaga o coração.


(Soneto publicado com a autorização do autor)
 

domingo, 31 de julho de 2011

Casa Arrumada

Carlos Drummond de Andrade
















Casa arrumada é assim:
Um lugar organizado, limpo, com espaço livre pra circulação e uma boa entrada de luz.
Mas casa, pra mim, tem que ser casa e não um centro cirúrgico, um cenário de novela.
Tem gente que gasta muito tempo limpando, esterilizando, ajeitando os móveis, afofando as almofadas...
Não, eu prefiro viver numa casa onde eu bato o olho e percebo logo:
Aqui tem vida...
Casa com vida, pra mim, é aquela em que os livros saem das prateleiras e os enfeites brincam de trocar de lugar.
Casa com vida tem fogão gasto pelo uso, pelo abuso das refeições fartas, que chamam todo mundo pra mesa da cozinha.
Sofá sem mancha?
Tapete sem fio puxado?
Mesa sem marca de copo?
Tá na cara que é casa sem festa.
E se o piso não tem arranhão, é porque ali ninguém dança.
Casa com vida, pra mim, tem banheiro com vapor perfumado no meio da tarde.
Tem gaveta de entulho, daquelas que a gente guarda barbante,passaporte e vela de aniversário, tudo junto...
Casa com vida é aquela em que a gente entra e se sente bem-vinda.A que está sempre pronta pros amigos, filhos...
Netos, pros vizinhos...
E nos quartos, se possível, tem lençóis revirados por gente que brinca ou namora a qualquer hora do dia.
Casa com vida é aquela que a gente arruma pra ficar com a cara da gente.
Arrume a sua casa todos os dias...
Mas arrume de um jeito que lhe sobre tempo pra viver nela...
e reconhecer nela o seu lugar.

(Texto enviado por Caio Martins)

sábado, 30 de julho de 2011

Mario Quintana

30.07.1906 - 05.05.1994
















DAS UTOPIAS

Se as coisas são inatingíveis... ora!
não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
a mágica presença das estrelas!


TROVA

Coração que bate-bate...
Antes deixes de bater!
Só num relógio é que as horas
vão passando sem sofrer.


EU ESCREVI UM POEMA TRISTE

Eu escrevi um poema triste
e belo, apenas da sua tristeza.
Não vem de ti essa tristeza
mas das mudanças do Tempo,
que ora nos traz esperanças
ora nos dá incerteza...
Nem importa, ao velho Tempo,
que sejas fiel ou infiel...
Eu fico, junto à correnteza,
olhando as horas tão breves...
E das cartas que me escreves
faço barcos de papel!

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Rizolete Fernandes

INCLEMÊNCIA
Rizolete Fernandes













Img: Christian Coigny - Women Outside_09


Inda pensada
a dor
é ferroada

Quando sorrateira
se instala
gota em gota
vira enxurrada

Se de repente
aguda inteira
fica
sendo passageira

A dor
faz inclemente
quem a sente

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Lêdo Ivo

TORNO A OUVIR O MARULHO DAS ÁGUAS NEGRAS
Lêdo Ivo


Somos as nossas imagens. Quem imagina um deserto, no dia irrestituível, se refugia em sua própria desolação. A planície se abre para quem deseja evadir-se ou perder-se no mundo como uma dessas formigas transviadas que a ambição desviou do carreiro. O marulho das águas negras de uma lágrima, que eu ouvia durante a minha infância em Maceió, e tornei a escutar em Veneza, impõe em mim a direção de um universo em que os elementos mais contrários reclamam adesão e conluio.

A presença de mundos apartados, de matérias situadas antes das partilhas, é como a respiração dos amantes após o amor: ainda enlaçados e aprofundados um no outro, e misturados em suas águas cúmplices, já se acham contudos afastados pela súbita supressão do êxtase. Na lama fétida da lagoa, escondem-se a água universal do oceano e a areia profanada pelos miasmas desagregadores. Na cronologia pulverizada em que sou, ao mesmo tempo, sumiço e aparição, o minuto que passa tem uma fervilhação de formigueiro aberto! e as imagens profundas mais uma vez disputam o reconhecimento solar de um dia ofuscante como o verão que ilumina os lagartos entre as pedras. O vento, passageiro como um deus, deixa intactos os ninhos.

As mangueiras que palpitavam sob as chuvas grossas das madrugadas antigas — quando o lençol do menino insone se levanta como a brisa nas veias dos galeões pejados de ouro dos piratas — voltam a arfar na alameda mentirosa que franja meus sonhos devastados pelo martelar monótono das ondas. As estrelas mudam, repentinamente de posição, como as luzes dos aviões na curva celeste que antecipa a proximidade do aerporto. E eis-me de novo diante do dia, que é uma sucessão infindável de janelas abertas; e eis-me de novo diante da noite recendente aos laranjais em flor.

Mas todavia desabrimos a mão da massa confusa de seres e lembranças, sonhos e desconsolações, trabalhos e cóleras. E de todo o cadastro pessoal resta apenas, lumalha na escuridão, a imagem de um menino diante do Oceano, e que escuta, nas vagas e ventos acumulados ao redor do estaleiro apodrecido, a longa melodia da memória para sempre vitoriosa — essa música abafada, essa euforia das águas golfejantes e reunidas na foz do tempo, essa respiração do mundo que, importunando os vivos com a sua reiteração, já não tem prestígio sobre aqueles que, defuntos, estão além da desolação e da morte.

Do livro: "Confissões de um poeta", Difel/MEC, 1979, SP/DF

Fonte: Blocos Online

terça-feira, 26 de julho de 2011

Graça Graúna

A CAMINHO DO HAITI TEM UMA PEDRA (*)














Graça Graúna


tem uma jangada de pedra
a caminho do Haiti
a esperança se avizinha
pois navegar é preciso
ou como diz o velho Mago
uma obrigação todos temos.
E agora, que fazer?
A caminho tem uma pedra
e uma jangada se recria
pois não há mais tempo a perder
________

(*) Fiz este poema, pensando em Carlos Drummond de Andrade, autor do poema “No meio do caminho” e empreguei o termo Mago para homenagear SaraMAGO e a sua solidariedade ao povo do Haiti.

Fonte: Blocos Online

segunda-feira, 25 de julho de 2011

No Dia do Escritor, Leila Míccolis em prosa

Uma de papagaio...
Leila Míccolis


Já notaram como todos têm uma piada ou um "causo" de papagaio para contar? Falar sobre papagaio e futebol é como apresentarmos prova cabal de nossa nacionalidade brasileira. Em geral o que papagaio mais fala é palavrão, porque é incrível a imensa capacidade do ser humano em ensinar ao bichinho aquilo que ele gosta de ouvir. Seja porém por isso ou por aquilo, pela plumagem verde e amarela ou pelo seu jeito desinibido e obedientemente desbocado, o certo é que esta irrequieta ave está sempre presente nos papos de bar ou na boca de quem procura o riso fácil e estereotipado. Tenho um conhecido paulista que toda vez que vem ao Rio traz um repertório novo de piadas deste tipo, e, entre elas, há sempre inúmeras sobre o animalzinho tagarela.

Não vou reproduzir nenhuma delas... até porque não sou fã de anedotas escabrosas ou que transmitem mais preconceitos do que risos (as que ridicularizam mulheres - louras ou morenas, por exemplo -, ou as que zombam de gays, de portugueses, de paraíbas, de negros, etc.). Vou contar, porém, uma historinha verídica que me impressionou muito e que aconteceu há alguns anos com um amigo meu, poeta e crítico literário do Rio Grande do Norte. Para preservar-lhe a privacidade, vamos chamá-lo, aqui, hipoteticamente, de Juliano. Ele morava em uma cidade perto de Natal com a avó, cuja característica principal era ser uma mulher extremamente hipocondríaca. Apesar de relativamente moça e saudável, todas as noites desfiava um rosário de sintomas, todos perigosos, irreversivelmente fatais, e culminava dizendo ao neto: — "Desta noite não passo".

Na casa, havia um papagaio, muito diferente de todos os outros: era mudo. Jamais falara nada. Por mais que Juliano tivesse tentado ensiná-lo, ele fechava-se em seu silêncio e dele nunca se ouviu um currupacopapaco sequer, mesmo entredentes (ops, entrebico). Aos poucos, meu amigo foi desistindo de ensinar-lhe alguma coisa e, com o correr dos anos, acabou por acostumar-se ao silêncio do "louro". No entanto, sempre cuidadoso com ele, o rapaz todo dia levava-o para o quintal pela manhã e o apanhava à tardinha, quando voltava do seu trabalho no jornal.

Um dia, porém, devido a um temporal, meu amigo ficou preso na redação do jornal, em Natal, sem ter como se comunicar com a avó (pois em casa eles não tinham telefone e o da vizinha estava com defeito). Por nunca ter cuidado do papagaio, a avó nem se lembrou dele, até porque o animal não reclamava de nada: não piava, não miava nem latia... Quando Juliano voltou para casa, encontrou o papagaio ensopado. Recolheu-o, enxugou-o, mas, de noite, o bichinho começou a tossir muito. A avó, "perita em doenças", diagnosticou que aquilo era uma gripinha de nada, em dois ou três dias ele estava bom novamente, não era como ela, que estava nas últimas (sempre).

Ao deitar-se, Juliano fez um carinho na cabecinha do papagaio, todo encolhido e murcho. O louro olhou para ele e, pela primeira vez, dirigiu-lhe a palavra, dizendo: — "Dessa noite não passo". Juliano ficou animado: pelo menos a chuva tinha limpado a garganta de seu amiguinho, ele agora era um papagaio normal, que repetia o que sempre ouvira ao seu redor. No entanto, sua alegria durou pouco. No dia seguinte, o papagaio tinha mesmo "passado", morrera. Comentário de meu amigo, diante da enorme diferença, no caso, entre as pessoas e os animais:

— "Vovó matraqueia o tempo todo falando em morte, e continua viva. O papagaio, com incrível senso de propriedade, na única vez que falou, mostrou que entendeu direitinho o significado do que ela vive dizendo, e morreu sem desperdiçar uma única palavra. Que bicho mais sábio!...".

Fonte: Além das Letras - blog de Leila no YuBliss

(Publicado com a autorização da autora)

domingo, 24 de julho de 2011

Solano Trindade

Negra bonita












Solano Trindade
24.07.1908 - 19.02.1974



Negra bonita de vestido azul e branco
Sentada num banco de segunda de trem
Negra bonita o que é que você tem?
Com a cara tão triste não sorri pra ninguém?

Negra bonita
É seu amor que não veio
Quem sabe se ainda vem
Quem sabe perdeu o trem
Negra bonita não fique triste não
Se seu amor não vier
Quem sabe se outro vem
Quando se perde um amor
Logo se encontra cem
Você uma negra bonita
Logo encontra outro bem.

Quem sabe se eu sirvo
Para ser o seu amor
Salvo se você não gosta
De gente da sua cor
Mas se gosta eu sou o tal
Que não perde pra ninguém
Sou o tipo ideal
Pra quem ficou sem o bem...

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Caio Martins

DESCOMPASSO

Para Jeanne

















(img: linga-3 - christian coigny)


Por que temer, mulher, que eu me desfaça
nas guerras de teu mundo incoerente
que dilaceram teus véus de inocente
essência elementar, com tua graça?

Quisera fosse o mundo indiferente
a tal ardor sutil mas que ameaça
a ordem do universo enquanto traça
vitrais de cicatrizes indecentes.

Desatas tuas bandeiras e sidérea
orbitas aos desmandos do que eu faço
só por querer-te assim tão louca e séria.

E vai-se enfim a noite em descompasso
de dança calcinada e já cinérea
enquanto dormes, farta, em meu cansaço.


Fonte: Caio Martins - Poemas e Crônicas

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Glauco Mattoso

2.279 - SONETO A LEILA MÍCCOLIS












Que tem de pequenina, tem de terna.
Concentra em si um pouquinho da maneira
de cada mulher brava brasileira:
Pagu, Tarsila, Anita. Ela é moderna.

Por décadas de luta, já governa
o mundo alternativo, farta feira
de arte, em vibrações de feiticeira:
Assim é Leila Míccolis, eterna.

Respeito a seus direitos ela cobra.
Ao bom comportamento é sempre avessa.
À fácil caretice não se dobra.

A frase lapidar dessa cabeça
é verso que resume grande obra:
"Falo do óbvio, antes que me esqueça."


Do livro: "Geléia de Rococó - Sonetos Barrocos", Edições Ciência do Acidente, SP, 1999

Fonte: Site de Leila Míccolis

terça-feira, 19 de julho de 2011

Vladimir Maiakovski

O Amor
Vladimir Maiakovski
(19.07.1893 – 14.04.1930)


Um dia, quem sabe,
ela, que também gostava de bichos,
apareça
numa alameda do zôo,
sorridente,
tal como agora está
no retrato sobre a mesa.
Ela é tão bela,
que, por certo, hão de ressuscitá-la.
Vosso Trigésimo Século
ultrapassará o exame
de mil nadas,
que dilaceravam o coração.
Então, de todo amor não terminado
seremos pagos
em inumeráveis noites de estrelas.
Ressuscita-me,
nem que seja só porque te esperava
como um poeta,
repelindo o absurdo quotidiano!
Ressuscita-me,
nem que seja só por isso!
Ressuscita-me!
Quero viver até o fim o que me cabe!
Para que o amor não seja mais escravo
de casamentos,
concupiscência,
salários.
Para que, maldizendo os leitos,
saltando dos coxins,
o amor se vá pelo universo inteiro.
Para que o dia,
que o sofrimento degrada,
não vos seja chorado, mendigado.
E que, ao primeiro apelo:
- Camaradas!
Atenta se volte a terra inteira.
Para viver
livre dos nichos das casas.
Para que doravante
a família seja
o pai,
pelo menos o Universo;
a mãe,
pelo menos a Terra.




domingo, 17 de julho de 2011

18 de julho: Dia Nelson Mandela


“A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo.”


“Sonho com o dia em que todos levantar-se-ão e compreenderão que foram feitos para viverem como irmãos.”



Nelson Mandela



Os sul-africanos estão prontos para comemorar nesta segunda-feira os 93 anos do ex-presidente Nelson Mandela, considerado um herói por muitos no país.
A fundação que leva o nome de Mandela pediu à população que faça 67 minutos de trabalho voluntário neste dia 18 de julho - para representar os 67 anos que o ex-presidente dedicou à luta política na África do Sul.
O ícone da luta contra o regime de segregação racial na África do Sul (Apartheid) deverá passar seu aniversário com familiares no vilarejo de sua infância, na província de Cabo Oriental.
Os 12 milhões de crianças matriculadas nas escolas do país também deverão cantar simultaneamente para Mandela, pela manhã.
Às 8h05 pelo horário local (3h05 em Brasília), os alunos de toda a África do Sul deverão cantar "Feliz Aniversário, Tata Madiba" - uma música composta especialmente para os 93 anos do ex-presidente.


Fonte: BBC Brasil

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Se Tudo Pode Acontecer (Arnaldo Antunes)



Se Tudo Pode Acontecer
Arnaldo Antunes

Se tudo pode acontecer
Se pode acontecer qualquer coisa
Um deserto florescer
Uma nuvem cheia não chover

Pode alguém aparecer
E acontecer de ser você
Um cometa vir ao chão
Um relâmpago na escuridão

E a gente caminhando de mão dada de qualquer maneira
Eu quero que esse momento dure a vida inteira
E além da vida ainda de manhã no outro dia
Se for eu e você
Se assim acontecer. . .

quinta-feira, 14 de julho de 2011

“Legião, almas para todo gosto”

Exposição do artista plástico João Werner














Exposição individual com 25 gravuras digitais, retratos de pessoas imaginárias.
Visitação: de 18 de julho a 14 de outubro de 2011
Local: Galeria João Werner, rua Piauí, nº 191, sala 71, 86010-420, Londrina, PR.
Horário: das 14h às 20h, com monitoria.
Entrada gratuita, mas o artista aceita doações.

Acesse o link: http://www.joaowerner.com.br/exposicoes-de-joao-werner/exposicao_legiao_gravuras_digitais.htm 

Contato João Werner: (43) 3344-2207, werner.joao@gmail.com

terça-feira, 12 de julho de 2011

Tupac Amaru (1781)

Pablo Neruda
12.06.1904 - 23.09.1973


Captura de Tupac Amaru - Felipe Guamán Poma de Ayala
  






















Condorcanqui Tupac Amaru,
sábio senhor, pai justo,
viste subir a Tungasuca
a primavera desolada
dos patamares andinos
e, com ela, sal e desdita,
iniqüidades e tormentos.

Senhor Inca, pai cacique,
tudo em teus olhos se guardava
como num cofre calcinado
pelo amor e pela tristeza.
O índio te mostrou o ombro
no qual as novas mordidas
brilhavam nas cicatrizes
de outros castigos apagados,
e era um ombro e outro ombro,
todas as alturas sacudidas
pelas cascatas do soluço.

Era um soluço e outro soluço.
Até que armaste a jornada
dos povos cor de terra,
recolheste o pranto em tua taça
e endureceste as veredas.

Chegou o pai das montanhas,
a pólvora levantou caminhos,
e às aldeias humilhadas
chegou o pai da batalha.
Jogaram a manta na poeira,
uniram-se os velhos punhais,
e o búzio matinho
chamou os vínculos dispersos.
Contra a pedra sanguinária,
contra a inércia desgraçada,
contra o metal das correntes.
Porém dividiram o teu povo,
e irmão contra o irmão
mandaram, até que tombaram
as pedras da tua fortaleza.
Ataram os teus membros cansados
a quatro cavalos raivosos
e esquartejaram a luz
do amanhecer implacável.

Tupac Amaru, sol vencido,
de tua glória desgarrada
sobe como o sol do mar
uma luz desaparecida.
As fundas aldeias de argila,
os teares sacrificados,
as úmidas casas de areia
dizem em silêncio: "Tupac",
e Tupac é uma semente,
dizem em silêncio: "Tupac",
e Tupac se guarda no sulco,
dizem em silêncio: "Tupac",
e Tupac germina na terra.

*Do Livro Canto Geral